Mostra com 15 artistas conectados à região amazônica foi aberta na quinta-feira (21/03), na Biblioteca do Palácio Galveias, em Lisboa
Foto: Divulgação
A Amazônia e suas retratações estão em destaque na exposição fotográfica “A Selva que nos Habita”, que tem curadoria do artista visual amazonense Alberto César Araújo, e da pesquisadora luso-brasileira Lau Zanchi. A mostra foi inaugurada na Biblioteca do Palácio Galveias em Lisboa, Portugal, na quinta-feira (21/03), como parte do evento “Mês das Amazónias”, realizado até 22 de abril.
O projeto foi contemplado pelo edital Fomento às Artes e Cultura/Lei Paulo Gustavo, promovido pelo Governo do Amazonas, por meio da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa e Conselho Estadual de Cultura (Conec). Instalações, fotografias, documentários, lambe-lambe e performance fazem parte da programação.
A partir de uma pesquisa onde se propõe unir literatura e fotografia, tendo como referência o romance “A Selva”, de Ferreira de Castro, o curador propôs um diálogo entre Castro e Silvino Santos, cineasta e fotógrafo luso-brasileiro que foi contemporâneo do escritor. Ambos artistas retrataram o cotidiano da região durante o Ciclo da Borracha, mas em perspectivas divergentes.
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Enquanto Ferreira de Castro abordou a Bellé Epoque em uma perspectiva próxima ao realismo e vivencial, cuja economia extrativista promoveu a dizimação de indígenas e a sistematização da mão de obra escravocrata, o fotógrafo Silvino Santos foi contratado por grandes seringalistas para construir uma imagem nada realista da região, e criar uma narrativa do capital, que omitia a realidade para não comprometer seus negócios.
As pesquisas iniciais foram feitas com o acesso na Biblioteca Pública do Estado do Amazonas, aos arquivos das obras raras e as primeiras edições do livro de Ferreira de Castro, assim como na Biblioteca da Escola do Legislativo. “Tanto nas Bibliotecas quanto no Museu Amazônico da Ufam, pude estudar as fotografias do Silvino que, apesar de ter fotografado a região por muitos e muitos anos, não tinha um olhar humanista e digno para com os indígenas. Era o olhar estrangeiro e exotizante”, comenta o curador.
Artistas
O que era para ser uma exposição individual do fotógrafo Alberto César, transformou-se em uma grande coletiva. Quinze artistas amazonenses, indígenas e não-indígenas, e/ou que aqui vivem, cujo trabalho está ligado à Amazônia, participam da exposição. Integram a exposição: Samela Sateré-Mawé, Juliana Pesqueira, Jarê Pinagê – o Transkurumim, Márcia Kambeba, Sioduhi, Denilson Baniwa, Bruno Kelly, Marcela Bonfim, Alexandre Sequeira, Luca Meola, Paulo Magalhães, Ivaneide Bandeira e Raphael Alves.
O garimpeiro e dono de balsa, Raimundo Alex mostra cerca de 4 gramas de ouro que conseguiu retirar do fundo do rio Madeira. Cerca de 26 balsas de garimpo ilegal de ouro que estão em atividade e em uma formação conhecida como “fofoca”, no rio Madeira, nas proximidades da capital Porto Velho RO. 22 de março de 2023. Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real.Foto: Divulgação
O artista visual Jarê Pinagê, o Transkurumim, realizou obras inéditas para a exposição. “Elas nunca foram expostas em nenhum lugar. Como a exposição fala da selva que nos habita, eu quis através dessas obras retratar a minha história. Não só a minha, mas a história dos meus”, conta. O artista utilizou uma técnica mista, que mescla fotografia e colagem. “Essas obras falam sobre minha raiz, minha ancestralidade e pertencimento. E, para além disso, eu acho que é minha forma de deixar um recado para todas as pessoas que vão ver essas obras, sobre nossa resistência e nossa existência dentro de nossos territórios”, comentou Jarê.
O “Mural da Resistência”, como é conhecida a obra em lambe-lambe, será um dos destaques da exposição. Ele é composto por vários registros fotográficos de comunicadores indígenas e não indígenas sobre a luta e resistência dos povos indígenas do Brasil pela garantia dos seus direitos. Essa é uma segunda versão do mural, e as fotos serão de Ariene Susuí; Juliana Pesqueira; Márcia Kambeba; Samela Sateré-Mawé e Sioduhi.
“É importante lembrar que a exposição estará sendo realizada em Portugal, e o Mural que estará exposto, tem um papel fundamental. Sabemos que muitas populações indígenas foram dizimadas pela colonização, violações estas que vêm desde 1500”, comenta a fotógrafa Juliana Pesqueira. Segundo ela, essas violações refletem diretamente na luta dos povos indígenas pelo direito à terra e território. “E estas lutas estão documentadas no mural. Eu espero que o mural possa provocar reflexões em quem for visitar”, diz a fotógrafa.
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Em 2023, o consórcio de jornalismo Forbidden Stories reuniu diversos veículos na Amazônia para retomar a apuração do jornalista britânico Dom Phillips, assassinado em 2022, na Terra Indígena Vale do Javari, no estado do Amazonas. Um painel com as reportagens que trouxeram à tona o funcionamento do garimpo, pesca e outras ilegalidades dentro de terras indígenas estará na exposição.
Mês das Amazônias
A convite de Lau Zanchi, pesquisadora da Universidade Nova, de Portugal, Alberto César juntou-se a ela para fazer a curadoria da exposição “A Selva que nos Habita”, que está integrada ao evento “Mês das Amazónias”. O evento iniciou no Dia Mundial das Florestas e Poesia, 21 de março, e segue até 22 de abril, Dia Mundial da Terra.
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“O ‘Mês das Amazónias’ foi idealizado tendo como ponto central a exposição de fotografia ‘A Selva que nos Habita’. A obra ‘A Selva’, do Ferreira de Castro, trouxe ao mundo todas as contradições do ciclo da borracha, a questão da violência, do genocídio indígena, das injustiças sociais. E a partir disso, toda uma linha de conversas, de diálogos foi idealizada tendo como base esse percurso histórico. O evento é um amplo painel do que está acontecendo hoje na Amazônia”, afirma Lau.
Toda a programação será realizada na Biblioteca Palácio Galveias, em Lisboa. Além da exposição, ocorrerão cines-debates, apresentações musicais, atividades para o público infantil e iniciativas de economia criativa.
“Vieram enriquecer a agenda os temas da sustentabilidade, de produtos sustentáveis, feitos a partir da borracha sustentável e produtos da moda de criações de estilistas indígenas. Isso para destacar uma agenda positiva para a Amazônia”, comenta Lau.
O ‘Mês das Amazónias’ é apoiado pelo Museu Amazônico, da Universidade Federal do Amazonas; Universidade NovaFCSH de Lisboa; Universidade de Coimbra; Universidade do Porto; Embaixada do Brasil em Portugal; Museu Ferreira de Castro; Consórcio Forbidden Stories (Rede Globo; Jornal Expresso, TV SIC); Biblioteca de Lisboa; Biblioteca Pública do Amazonas; El Corte Inglês; Seringô e pela Escola do Legislativo da Aleam.
Mais informações podem ser encontradas em expoaselvaquenoshabita.art/ ou pela conta do Instagram @aselvaquenoshabita.